quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Do giz à era digital: professor de 82 anos faz da sala de aula seu lugar no mundo

Egresso do curso de Direito, desembargador aposentado Clayton Reis celebra o Dia do Professor no UniCuritiba, onde leciona há mais de três décadas

“A arte do saber sempre representou para mim um processo de libertação.” A frase, dita com a sabedoria e a experiência de quem se dedica há décadas ao processo de aprender e ensinar, sintetiza o espírito do professor doutor Clayton Reis, 82 anos.

Nos corredores do UniCuritiba, onde leciona há mais de 30 anos, o desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Paraná é a representação do conceito de lifelong learning (aprendizado ao longo da vida).

Formado em Química pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1966 e em Direito, em 1969, pela Faculdade de Direito de Curitiba (hoje UniCuritiba), o atual professor do Programa de Pós-graduação em Direito (PPGD) da instituição construiu uma trajetória acadêmica e profissional marcada por propósitos.

Filho de um juiz de Direito, Clayton Reis cresceu cercado por exemplos de integridade e firmeza moral: valores que sempre defendeu em sua trajetória e que não desiste de repassar aos alunos. Casado há 57 anos com Tânia Máris Alberge Reis e pais de 5 filhos, o professor tem uma coleção de memórias. Entre elas, fala com carinho do tempo em que deu aulas para o próprio filho, Guilherme Alberge Reis, e de ter visto a filha Andrea Reis Tolazzi também se tornar bacharel em Direito.

“Nunca disse em sala de aula que ele era meu filho. E foi na minha disciplina que o Guilherme tirou sua menor nota no curso, nota 8”, recorda o professor rigoroso que divide espaço com o pai cheio de orgulho: “Na sessão de colação de grau de bacharel em Direito pelo UniCuritiba, eu fiz questão de estar na mesa diretora e entregar pessoalmente o diploma dele”.

Pós-doutor pela Universidade de Lisboa, mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná, Clayton Reis carrega no currículo a história de quem já ocupou posições de prestígio e o brilho de quem ainda se emociona em sala de aula. Não à toa, foi patrono, paraninfo, nome de turma e recebeu inúmeras homenagens especiais dos alunos formandos.

No UniCuritiba, ele foi professor pela primeira vez entre 1975 e 1977. Retornou em 1992 e permanece até hoje ensinando novas gerações. Ao longo da jornada, deu aulas nas disciplinas de Família, Direitos Reais e Responsabilidade Civil. Atualmente, além das turmas de graduação e pós-graduação, também leciona na Escola da Magistratura do Estado do Paraná.

“De aluno a professor há um imenso espaço temporal, conquistado com esforço, estudos, desafios e, sobretudo, amor à docência. A sala de aula revelou minha vocação de estar com meus alunos”, reflete o professor de Direito Civil.

Da Química ao Direito: uma virada de vocação
Clayton começou a lecionar ainda jovem, como professor de Física e Química no ensino médio. “Sempre fui apaixonado pelas ciências exatas”, recorda. A curiosidade científica e o gosto pela precisão o levaram a cursar especializações na área, mas uma “revolução pessoal” o fez mudar de rumo: apaixonou-se pelo Direito.

“Em pouco tempo, descobri que o Direito seria meu novo desafio na transmissão do saber”, conta. A mudança não apagou o rigor científico que sempre guiou os passos do professor Clayton. Pelo contrário, reforçou sua crença de que a docência é também uma forma de investigação e reflexão sobre o humano.

Mudanças na educação
Ao longo dos anos, o professor Clayton Reis viu a educação se transformar — dos quadros de giz à era digital. Para ele, a tecnologia trouxe avanços incontestáveis, mas também impôs novos dilemas éticos, especialmente no campo jurídico. “A maior revolução no Direito foi a introdução da informática. Hoje, o desafio é entender a relação entre o Direito e a Inteligência Artificial”, analisa.

Mesmo reconhecendo o poder das máquinas, ele é categórico: “O computador pode ser desplugado, mas o juiz, não. As decisões judiciais envolvem emoções humanas e isso jamais será substituído.”

Essa visão humanista transborda para a sala de aula, onde o professor acredita que seu papel vai além de ensinar normas ou teorias. “O professor deve transmitir valores e consciência. Sempre digo aos meus alunos: vocês são livres para fazer escolhas, mas serão prisioneiros das consequências delas.”

O professor e seu tempo
Ao comparar sua geração com a atual, o mestre reconhece mudanças profundas na dinâmica acadêmica.

“Na minha época, o professor era uma autoridade máxima em sala. Hoje há mais liberdade, mas também o risco de abuso dessa liberdade. E o Direito termina onde começa o abuso. Muitos alunos perderam a ideia dos limites desses direitos. O resultado é a polarização que se dissemina em sala de aula e os conflitos que se sucedem. Nesse ambiente, cabe ao professor entender a realidade e apaziguar os interesses em confronto.”

Para o professor do UniCuritiba, é papel do educador mediar conflitos e ensinar o valor do equilíbrio. “A virtude está no meio”, cita, em latim: virtus in medio. Com tanta experiência e sem temer os desafios, Clayton vê com otimismo o perfil dos novos estudantes de Direito.

“A nova geração tem um padrão de conhecimento mais elevado, reflexo do acesso facilitado à informação e da intensa comunicação do mundo moderno. Nossos alunos são mais investigativos, mais conectados e comprometidos com a pesquisa. Nesse cenário, o Direito se tornou multidisciplinar e fascinante”, diz.

De acordo com o professor, nos programas de mestrado e doutorado, por exemplo, é notável o avanço do processo investigativo. “Nossos estudantes desenvolvem pesquisas de grande profundidade e relevância, demonstrando preocupação em conquistar seu espaço em uma sociedade cada vez mais competitiva, tanto no campo acadêmico quanto no social e econômico.”

Um tributo ao magistério
Aos 82 anos, Clayton Reis continua lecionando com entusiasmo. Para ele, ensinar é mais que uma profissão. É uma missão de vida. “Aprendi que os seres humanos são como paraquedas: só funcionam quando estão abertos. O professor é aquele que ajuda a abrir essas mentes.”

No Dia do Professor, sua trajetória é um lembrete de que a educação é o fio que entrelaça gerações, valores, condutas e esperanças. E poucos sabem conduzir esse fio com tanta lucidez, elegância e paixão quanto o professor Clayton Reis — o mestre que continua conduzindo seus alunos “ao limiar de suas próprias mentes”.

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